quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

*Texto originalmente postado no Facebook, em 31/01/18. Posto aqui para ter o registro mais acessível.

Apenas algumas horas aqui e já vai render textão 😁.
Depois do impacto da magnífica Cordilheira, veio o estranhamento de ver um aeroporto tão movimentado ser tão pequeno - parece que finalmente perceberam e já está rolando uma ampliação. O entorno do aeroporto é feio, seco, árido, amarelo, poeirento. O trânsito, caótico - mas vá lá, eu cheguei na hora do rush.
Porém, depois que se atravessa um túnel, a magia acontece. Nem parece a mesma cidade. Verde, prédios enormes, novos, o povo todo nas sombras, na grama (mas o trânsito ainda aquele inferno).
Uma vez no hotel, pedi - e consegui - o andar mais alto (e o medo de o cartão não passar? No c* não passava nem uma agulha, depois que a primeira máquina deu pane; só passou na segunda. Não tinha Pesos suficientes para pagar e as casas de câmbio já estavam fechadas. Ainda bem que passou 😅). Que vista! Deito na cama e vejo a montanha. Penso no inverno, ver a neve ali “pertinho”...
Uma vez instalado, precisava comer. Fui num bar indicado por um blog onde pesquisei a viagem, chamado ‘Liguria’. Bem pequeno, mas muito legal! Pedi uma cerveja chilena (ÓBVIO) e uma milanesa. E aqui começou a bagunça, rs. Ah! Vale dizer que, eu mal sentei à mesa, já me trouxeram uma jarra d’água, sem mesmo saber se eu iria mesmo comer ali. Fora que quando ela perguntou que pão eu queria, achei que era para o lanche. Não, era para o ‘couvert’, com manteiga e vinagrete, DE GRAÇA (e depois que comi tudo ela me ofereceu mais). Como diria a Blogueirinha de Merda, “no Brasil não tem isso”.
Enfim, quando fiz o pedido, a garçonete perguntou se eu não iria querer uma entrada. Aceitei e pedi uma sugestão. Só que ela fala MUITO rápido! Aí ela me sugeriu “msjdsjkdkd (não entendi) com mussarela” ou um “ahhssjsjsj com provolone”. Eu escolhi “esse com mussarela”. Olha nas fotos e vê o que era.
Esse trem que veio na concha. À primeira vista achei que era uma espécie de camarão, mas quando comi o gosto não lembrava em nada. Não era delicioso mas acabei comendo tudo, baita fome. Fora o negócio esbranquiçado que parece uma lichia sem caroço (na aparência apenas, não no sabor). Comi, sem saber. Aí, resolvi perguntar o que era aquilo, de fato.
“Son ostiones”. Fiz cara de paisagem e corri para o tradutor (embora eu já soubesse, pela semelhança na grafia e pela apresentação do prato, mas eu não queria acreditar).
Claro. Eram OSTRAS. Eu comi essa disgreta. Imediatamente me deu um mal-estar, “pronto, vai que eu sou alérgico e morro, ou então intoxicado”. 😅😅
Ostra era uma das poucas coisas que eu me recusava a comer sem nunca ter experimentado. Experimentei, pra saber que nunca mais como de novo. Só desceu pois estava coberta de queijo, que eu amo. Já o treco avermelhado - que não é camarão e nem pimenta - eu vou morrer sem saber o que é.
Olha, eu cheguei não faz quatro horas, não andei mais do que dois quarteirões pra fora do hotel e já rendeu. Pense o que vai ser nos próximos dias. 😁😅
Ah! Outro fato interessante. Aqui eu estou com uma hora a menos no fuso - são exatamente 21h49 pra mim - só que anoitece muito tarde. A última foto? Tirei faz meia hora.
E vocês aí, já postando foto da lua... (falar nisso, preciso ir lá fora ver se a vejo também).
Rendeu, né? E pensar que eu quase desisti dessa viagem...

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Antes tarde...

     Já faz mais de um ano que não posto nada aqui. Culpa do Facebook que acaba tomando toda minha atenção...

     Porém, como hoje eu estou a fim de fazer textão, reclamar mesmo, retomar ainda que momentaneamente a minha tão famosa rabugice, achei melhor vir aqui. Os últimos dias vem sendo muito difíceis de terminar, aliás este mês de novembro parece que não vai terminar nunca - em compensação o dinheiro... Creio eu que essa irritação aparentemente sem motivo seja mesmo falta de reclamar, afinal hoje em dia TUDO VIRA MIMIMI, e eu acabo engolindo as queixas, coisa que não me faz bem. Reparei que ninguém mais questiona nada daquilo que não concorde, já chega na voadora. O famoso "leu apenas o título, não leu a matéria". As pessoas estão cada vez mais enfurecidas ao se sentirem contrariadas. Vide os fanáticos religiosos. Vai você tentar mostrar uma contradição óbvia da bíblia. Os caras até juram você de morte. Tudo em nome de Jesus, claro.

     Enfim, vamos lá:

     Hoje eu vi no UOL a chamada de uma "matéria", que dizia assim: "Neymar faz 2600 pontos no Counter Strike". Aí eu pergunto: isso é jornalismo? Qual a relevância de uma BOSTA dessa na minha vida ou na vida das pessoas em geral? Tá, vem você me dizer que "se está publicado é porque tem quem consome". Nesse caso, será mesmo? Até entendo que o cara já tenha se transformado numa figura do 'show bussines', afinal futebol é a última coisa que aparece associada a ele, mas existe alguém tão desocupado que a ponto de se interessar em pontuação de game que o cara faz? Eu achava que o único placar que importasse era o do gols. Quando foi que o jornalismo ficou tão raso, ridículo e imbecil?

     Isso me fez lembrar uma outra ocasião, naquele falecido "Ego" - outra coisa pavorosa, que felizmente perceberam e extinguiram - uma chamada, com direito a foto, que era mais ou menos assim: "quinta colocada no Miss Bumbum é vista com moreno que já foi affair da irmã de Neymar". Qual a relevância desta caralha? Quem - meu Deus - se interessa por isso? E a lista pode ser grande, com absurdos tais como "peladona de Congonhas", "apalpada por ator", "Cassia Kiss e sua calça descontraída" (pesquisa no google se duvida desta última). É por isso que as coisas estão como estão. Sim, pois ninguém mais se interessa por literatura, cinema, conhecimento, aprendizado. Estão a perder tempo com o "ex-affair da puta que pariu" ou "amiga da vizinha da manicure da cunhada do cu do caralho".

     Hoje, também, vi um anúncio de uma loja de calçados, onde o tal do New Balance custa R$ 600,00. SEISCENTOS REAIS UM PAR DE NEW BALANCE! Por quê? Porque algum "instragamer", "youtuber", "digital influencer" (nojo) disse que "tá usando", "é tendência" e pronto, lá foram os modinhas sem personalidade atrás do tal tênis. É curioso como todo mundo quer ser diferente sendo igual. Lembro que quando eu era adolescente o New Balance já existia e era, digamos assim, terceiro na lista de preferência. Quem tinha New Balance nem era tudo isso. Já já aparece alguém dizendo que o KICHUTE é "top" e aí, claro, todo mundo vai usar a desgraça e o troço vai custar uma fortuna. Com esse dinheiro eu vou no outlet da Nike aqui em Ribeirão e saio com quatro, cinco pares. Mas, claro, é Nike, não interessa aos modinhas. Não dá status. Aliás eu nunca entendi esse conceito de moda. Num momento é o item mais desejado; dali duas semanas o povo até ateia fogo por vergonha de ter comprado. Até a tal da pochete, coisa tão demonizada, outro dia li que estava "voltando". Aí vai lá a pessoa idiota, que dizia achar pochete um "crime fashion", gastar dinheiro com o treco, para usar dois dias e depois encostar, só porque "TÁ USANDO". Aguardo ansioso o dia em que "estejam usando" o cérebro.

     Tais (e muitas outras) coisas, conforme elas vão acontecendo e se acumulando, só fazem aumentar em mim uma vontade de isolamento. Eu gostaria de ter tempo e dinheiro para viajar - sozinho - para algum destino pouco explorado, onde os farofeiros paulistas ainda não chegaram (sim, os paulistas são os piores, pois acham que todo lugar é Praia Grande), ficar dias, semanas, tendo o mínimo de contato humano possível, de preferência apenas com os locais e somente para tratar o necessário.

     Mas não só viajar.

     Há algum tempo fico imaginando como seria (será?) se eu deixasse de usar o Facebook. Eu já consegui resistir a todas as outras redes sociais, o Facebook é a única que me fisgou e me viciou. Ainda reluto em desativar meu perfil pois tenho muitos contatos ali que, mesmo não trocando mensagens com frequência, têm perfis interessantes, os quais gosto de seguir. Depois, existem as páginas que eu sigo, especialmente as de cinema, as quais me mantém informado com notícias e fatos que eu não encontraria em outros meios. Fora que até mesmo para me informar com o que está acontecendo no mundo eu acabo usando o Facebook; há muito tempo não assisto televisão, tampouco leio jornais e revistas, e por isso temo ficar por demais alienado de vez caso saia. Se bem que, do jeito que a coisa anda, um festival de ódio, um maniqueísmo nojento, talvez não seja de todo mal ficar por fora do que está acontecendo. Como dizem, "a ignorância é uma bênção".

     O fato é que eu ando deveras cansado. Mentalmente cansado. Desmotivado. Nada desperta interesse em mim, é como se eu estivesse empurrando a vida com a barriga, estou sem entusiasmo para qualquer coisa. A sociedade está entediante, a rotina, maçante. As pessoas estão egoístas, egocêntricas. Vivem pelo status, pela aparência, pela competição de quem ostenta mais. Ainda bem que já tenho meus amigos, pois dificilmente conseguirei fazer mais. As relações pessoais andam descartáveis demais.

     Quem sabe não entro 2018 decidido a me desligar do Facebook? Nem que seja para fazer um tipo de experimento comigo mesmo, ver quanto tempo - e se - eu aguento ficar sem usar a rede social. Será que terei mais tempo pra mim? Será que vou usar esse tempo em meu benefício, escrevendo, me exercitando? Será que vou conseguir valorizar mais meus relacionamento interpessoais? Enfim, uma ideia que vem sendo cultivada todos os dias. Veremos...

     Ufa. Preciso fazer isso mais vezes. Ah, preciso...

domingo, 6 de novembro de 2016

Jornada do Herói

     A maioria das estórias que lemos ou assistimos tratam-se da chamada 'jornada do herói'. Tratam-se de etapas pelas quais a narrativa tem que passar para construir o personagem principal, seu antagonista e os coadjuvantes. Foi o exercício mais difícil, pois tomou muito tempo, muita revisão. Óbvio que a jornada é muito mais do que eu posto aqui. Como disse, é apenas um exercício. Mas com base nesse esqueleto dá para desenvolver a estória para onde o autor quiser. Serve como roteiro, estrutura, fio condutor. Deu trabalho, mas finalmente saiu...

ETAPAS DA JORNADA DO HERÓI

1 – O mundo comum
- Vem comer, menino. Já, já você precisa abrir a taverna e atender aqueles beberrões, não pode ficar sem comer. Come, vamos!

Como filho único, Reno sempre foi muito protegido pela mãe, e também muito mimado, especialmente depois que seu pai morreu. Por conta disso, era sempre o gordinho da turma, sempre acima do peso, já que sua mãe nunca achava que ele havia comido o suficiente.

Quando chegou à idade de prestar serviços à guarda do reino, Reno não foi convocado para o alojamento e para os treinamentos, por conta de seu peso em excesso. Foi um dos poucos jovens que não passaram pela cavalaria real, o único por obesidade – os demais possuíam alguma deficiência motora, visual ou mental. Por conta disso acabou assumindo a administração da taverna que era de seu pai quando este morreu. Graças às iguarias preparadas pela Dona Zaira, sua mãe, a Taverna do Zenon – nome do seu falecido pai – era um dos locais mais frequentados do reino.

Embora sofresse limitações por conta do seu peso, Reno não fazia questão alguma de emagrecer, especialmente depois de ter perdido a oportunidade de servir à guarda real e realizar o sonho de seu falecido pai. A única coisa que importava, agora, era seguir administrando a taverna e comendo as delícias que sua mãe preparava na cozinha.

2 – Convite à aventura
            Começou a correr pelas vielas que o rei havia decidido trazer de volta a Pedra do Pecado, confinada por anos no interior da Torre Seca, no Grande Deserto do Leste, pois há anos não havia nenhum nascimento no reino e isso começava a preocupar os conselheiros, os quais previam dificuldades no futuro. A sociedade estava envelhecendo, o número de pessoas precisando de cuidados estava aumentando e, em breve, seria maior do que a quantidade de pessoas que podiam prestar tais cuidados.

            O que era apenas um rumor logo se confirmou, o rei havia mesmo decidido sobre o retorno da Pedra, e Reno soube disso diretamente da boca de Mestre Borin, cavaleiro do reino, comandante da guarda real e que no passado havia sido muito amigo de seu pai. Como o caminho até a Torre Seca era inóspito, sem qualquer tipo de fonte de alimento, apenas alguém como Reno poderia suportar a jornada sem comer, uma vez que não morreria de inanição. Além disso, Mestre Borin sabia que escolhido teria condições de cumprir com a missão, ainda que o próprio Reno não soubesse disso.

3 – Recusa ao chamado e a motivação
            Reno se desesperou ao saber da convocação do rei. Passar dias sem comida, rumo ao lugar mais temido do reino, era algo que considerava impossível. Sabia que não teria forças para concluir a missão e, pior, como suportar a ausência das comidas de sua mãe sem enlouquecer?

            Mestre Borin disse a Reno que ele não teria outra opção, pois eram ordens do rei. O mestre revelou a Reno que tinha conhecimento de que o taverneiro treinava às escondidas com a espada que havia sido de seu pai, segredo que Reno julgava ser apenas seu. A mãe de Reno, acreditava que a espada havia sido entregue à guarda real após a morte de seu marido, pois assim o exigiu quando recebeu a notícia de que havia ficado viúva. Não gostava da arma, a julgava amaldiçoada, acreditava que seu marido havia morrido justamente por ter mantido em seu poder objeto que não mais o pertencia, uma vez que não conseguiu fazer parte da guarda real.

            Quando Zenon morreu em circunstâncias que nunca foram totalmente esclarecidas, o então garoto conseguiu preservar a espada que seu pai guardava. Zenon não havia se perdoado pelo fato de não ter conseguido conquistar seu lugar na guarda real quando jovem. Suas habilidades motoras eram sofríveis, não era capaz de manejar a espada ou qualquer outra arma. Assim que foi dispensado, conseguiu que Borin – já comandante da guarda real naquela época – o deixasse ficar com a espada que estava na família havia gerações. Segundo as tradições, quando um jovem fracassava na tentativa de fazer parte da guarda real, quaisquer armas que possuísse, mesmo que de família, eram confiscadas e passavam a fazer parte do arsenal do reino. Porém, em nome da amizade que Borin manteve por toda a vida com os antepassados de Zenon, especialmente com o próprio, o comandante permitiu que o futuro pai de Reno mantivesse a relíquia familiar.

           Após a morte de Zenon, Borin fez que atenderia ao pedido de Zaira, mas secretamente entregou a espada a Reno, pois sabia da admiração do garoto pelo pai, porém acreditava que ela jamais seria usada, pois o filho de Zenon nunca entraria para a guarda por conta de seu peso. Mestre Borin ficou surpreso com a tenacidade do garoto ao descobrir que ele treinava secretamente suas habilidades com a espada.

     Finalmente havia chegado a hora de Reno colocar em prática tais habilidades.

4 – Encontro com o mentor
            Mestre Borin explicou a Reno que, anos atrás, a então rainha, incomodada com o que ela chamava de “as indecências do reino”, determinou que o conselho de sábios eliminasse toda a luxúria presente nas pessoas, pois não suportava mais a vida mundana que seus súditos – e também a realeza – levavam.
            
            Foi quando o conselho conseguiu reprimir toda a lascívia existente no império, enclausurando todo esse desejo no que eles vieram a chamar de Pedra do Pecado, um cristal ordinário, sem valor, mas que após ser encantado, tornou-se brilhante, de cor escarlate. O desejo da rainha era ver essa pedra destruída, para que nunca mais houvesse malícia nas pessoas, mas seu desejo não foi atendido, uma vez que caso destruída a pedra toda a luxúria tornaria a habitar as pessoas, pois o desejo carnal jamais pode ser destruído, apenas reprimido. Sendo assim, a solução encontrada foi isolar a pedra considerada maldita num local distante e conhecido apenas por pelos membros do conselho.
            
             Além de explicar a origem da Pedra do Pecado e indicar a Reno o caminho que deveria seguir para recuperar tal objeto, Mestre Borin entregou ao mais novo servo da realeza um cajado mágico com o qual ele poderia obter água de qualquer ponto do solo, pois água era algo que Reno não poderia obter apenas com a gordura do seu corpo. Além de água, o cajado também serviria como fonte de luz, pois uma vez dentro da torre, Reno perderia o auxílio da luz natural. Ao questionar seu mestre como deveria fazer para que o cajado iluminasse seu caminho, Reno ouviu que não deveria pensar nisso, pois o artefato reconheceria a escuridão e naturalmente iria se iluminar, pois como já havia sido apresentado, era um cajado mágico.

5 – Travessia do portal
            A partida de Reno em direção ao Deserto do Leste foi acompanhada por todo o reino, dos súditos à realeza. Navegaria por quase um dia inteiro até alcançar o outro lado do oceano que separava o continente habitável do temido Grande Deserto do Leste. Sua mãe estava inconsolável, chorava e dizia que se o filho morresse naquela jornada o reino nunca mais teria paz, pois amaldiçoaria a todos. Ante o desespero da mãe, Reno resolveu esconder a espada no meio dos mantimentos e colocar a bainha nas costas apenas quando chegasse ao outro lado da travessia.
            
              Reno não se empolgou com o tamanho da embarcação, pois sabia que os mantimentos que ali cabiam jamais seriam suficientes para saciar sua fome, tampouco teria condições de carregá-los durante sua jornada solitária. Decidiu que não dormiria durante o percurso, pois passaria o tempo todo comendo. Não queria ter que jogar nada fora e imaginava que quanto mais alimentado estivesse assim que alcançasse o outro lado, mais tempo suportaria sem comida.

6 – Desafios do herói
            Uma vez desembarcado, Reno logo se pôs a percorrer o caminho indicado por Mestre Borin, pois não queria perder tempo, muito menos energia. Reno acreditava que não corria risco de se perder, pois mesmo ao longe, a Torre Seca já era visível. Ao redor a paisagem era uma só: uma planície vermelha, árida, sem qualquer vestígio de vegetação, tampouco de outros seres vivos. O céu, praticamente sem nuvens.
           
           Seguindo as orientações de Mestre Borin, Reno saiu do reino na intenção de alcançar o Grande Deserto na manhã do dia seguinte, pois ainda que o calor fosse extenuante, uma caminhada noturna seria ainda mais perigosa por conta da queda brusca de temperatura que certamente ocorreria naquele ambiente. Assim, Reno caminhava resignado sob o forte sol sobre sua cabeça, carregando apenas o cajado mágico na mão direita e a espada embainhada nas costas.

Finalmente, depois de uma longa e extenuante caminhada, Reno alcançou a entrada da Torre Seca. O servo real pensou que mais do que o calor, foi a solidão do trajeto que tornou tudo ainda mais penoso. Acostumado ao barulho constante dos bêbados em sua taverna, estar tanto tempo sem ouvir nada além de seus pensamentos foi uma dificuldade para a qual ele não estava preparado. Reno evitava pensar que ainda havia muito a percorrer sem qualquer companhia. Felizmente o cajado de Mestre Borin era muito eficiente e fazia brotar água pura e fresca mesmo do solo mais árido; por várias vezes Reno fez a água jorrar para o alto, para depois cair sobre sua cabeça e aplacar o calor.

Ao contrário do que pensava, a entrada da torre não estava bloqueada; assemelhava-se mais a uma caverna do que a algo construído pelo homem, tanto que por um momento pensou que o nome correto do lugar deveria ser “caverna seca”.

Assim que cruzou a entrada e finalmente se viu livre dos raios solares, ouviu o barulho de água corrente, o que lhe causou ainda mais confusão, pois acreditava que estava indo para um lugar seco. Anotou mentalmente para, quando retornasse, questionar seu mestre o porquê do nome “Torre Seca”. Reno frustrou-se ao perceber que não alcançaria o riacho logo abaixo, pois seu corpo obeso não o permitiria atravessar a fenda que se apresentava na rocha à sua frente; teria que percorrer outro caminho, provavelmente mais longo. Ainda que o cajado lhe fornecesse água, imaginou que o riacho seria um bom guia para o interior da torre.
          
          A fome já se fazia sentir mais forte. Reno pensou em desistir, mas preferiu crer que perto do riacho haveria algum tipo de vegetação ou mesmo ser vivo que servisse de alimento. De repente, perdeu os sentidos. Quando deu por si, estava ajoelhado, com uma rocha nas mãos, entre os dentes. Foi então que percebeu que a ausência de comida o fazia alucinar. Confundiu pedra por pão. Temeu por sua sanidade e por sua vida.

7 – Aproximação da caverna oculta
            Reno já não sabia mais a quanto tempo estava no interior daquele lugar. O cajado mágico e sua incrível habilidade de perceber a escuridão e emitir luz havia se tornado também um incômodo. Como o ambiente era escuro o tempo todo, a luz do cajado nunca se apagava e Reno não tinha mais noção de tempo, não sabia se era dia ou noite, só conseguia dormir quando absolutamente esgotado. O que denunciava que já estava ali há mais tempo do que gostaria eram suas roupas, já largas, o cordão da cintura cada vez mais apertado para segurar suas calças. Agradeceu estar carregando apenas a espada, que era feita de material leve, pois não sabia se teria forças para carregar qualquer outro objeto, inclusive comida, sobre os ombros.

Reno percebeu que havia chegado a algum lugar, que aquela caminhada que parecia interminável finalmente encontrava seu fim. Acompanhando o fluxo de água desde que alcançou o riacho, ele notou quando a velocidade da água diminuíra, assim como quando o solo perdeu sua inclinação aos poucos. Depois de percorrer corredores longos e estreitos, Reno chegou a uma gruta enorme, a uma profundidade que ele desconhecia. O riacho que parecia terminar ali, despejava suas águas numa espécie de lago, com uma rocha perfeitamente retangular em seu centro. Sobre ela, uma pedra igualmente retangular, não maior que um pedaço de sabão, emanava um brilho vermelho, intenso, como se fosse o coração pulsante de um ser mitológico.

Foi então que Reno se deu conta de que havia alcançado o santuário da Pedra do Pecado.
           
8 – Encontro com o vilão e desfecho (9)
Reno não teve dificuldade para alcançar a pedra, pois a quantidade de água que circundava o seu pedestal era insuficiente para alcançar seus tornozelos. Porém, antes que pudesse pôr as mãos naquela gema brilhante, ouviu um ruído, como se algo se movesse sobre as águas.

Foi então que Reno percebeu que a hora de usar suas habilidades com a espada finalmente havia chegado – até ali não havia enfrentado nenhuma criatura, apenas a fome e o cansaço. Uma serpente monstruosa guardava o ídolo. Por um momento chegou a achar que era uma nova alucinação, pois se perguntou como uma criatura daquele porte poderia sobreviver num local sem alimento. Porém não teve tempo de descobrir.

Embora assustado e severamente debilitado, Reno foi capaz de perceber que o monstro era cego, guiava-se provavelmente pelos sons e variações de temperatura e deslocamento do ar. Mesmo em franca desvantagem, dadas suas condições físicas, Reno conseguiu derrotar a serpente, após desferir vários golpes com sua espada, até que o monstro sucumbisse. Surpreendeu-se com a facilidade com que abateu o monstro, especialmente por estar há tanto tempo sem comer. Pensou que, talvez, o monstro estivesse nas mesmas condições, igualmente ou ainda mais debilitado, além de ser uma criatura cega. Se não fosse o cadáver que jazia à sua frente, iria pensar que havia alucinado, mais uma vez.

10 – Caminho de volta
            Embora a tentação fosse quase dolorosa, Reno resistiu ao ímpeto de morder nacos de carne da serpente. Teve medo de ser envenenado e fracassar, logo agora que havia conseguido o mais difícil. Resignado, foi até a Pedra. Ao retirá-lo de sua base, nada aconteceu, para a surpresa de Reno.
            
           Quando ele se deu conta do caminho que teria que fazer para retornar ao reino, sentiu-se sem forças para continuar. Foi então que resolveu banhar-se nas águas do riacho, na tentativa de recarregar o pouco da energia que ainda lhe restava. Desequilibrou-se ao entrar na água e derrubou a pedra no leito do riacho, a qual ficou totalmente submersa. Reno não se desesperou, pois a correnteza ali era quase nula, porém percebeu uma agitação repentina nas águas que circundavam o que até minutos atrás servia como altar para a Pedra do Pecado. O local onde a pedra mágica estava começou a ruir, aos poucos, até que uma cratera se abriu e Reno teve tempo apenas de guardar a pedra na bolsa vazia que trazia amarrada em sua cintura, não conseguiu fugir para o lado oposto. O chão tremeu sob seus pés e ele foi tragado pela correnteza e pela gravidade rumo ao desconhecido.
            
           Reno achou por um momento que iria despencar em direção ao centro do planeta, mas logo percebeu que a água o conduzia por uma galeria, por passagens que pareciam há muito esculpidas pelas águas, algo que se assemelhava a um enorme e antigo sistema de escoamento. Por alguns segundo chegou a se divertir com a experiência, mas logo percebeu que a velocidade com que descia só fazia aumentar, que a força dos impactos do seu corpo ao alcançar as curvas dos corredores por onde deslizava era cada vez mais forte. Foi então que perdeu o controle sobre o corpo e sentiu uma pancada na cabeça. Desmaiou.

11 – A ressurreição
          Reno acordou com dores por todo o corpo, sentindo o calor do sol no seu rosto. Quando conseguiu restabelecer seu raciocínio, tateou em busca do ídolo e sentiu-se aliviado ao perceber que o mesmo não havia se perdido na enxurrada. Quando percebeu uma sombra sobre o rosto, olhou para cima e viu Mestre Borin à sua frente.
            
            O mestre explicou a Reno que apenas o portador do cajado mágico poderia adentrar a torre; qualquer outra pessoa que ali chegasse não enxergaria a entrada, apenas rocha, por isso a missão dele tinha que ser solitária. O ancião disse a Reno que o ponto onde se encontravam era do lado oposto da entrada da Torre Seca, e que, dali, ambos poderiam retornar ao reino através de um portal secreto. Antes que Reno protestasse, Borin explicou que seria inútil ele chegasse por ali através do portal, pois o acesso à gruta da Pedra do Pecado era inacessível por aquele ponto. Era impossível subir até o altar da pedra por aquelas galerias íngremes e escorregadias.

12 – Clímax
            Reno foi recebido com honras de herói, sendo aplaudido por todo o reino. Porém, em meio à multidão, buscou por sua mãe. Amparada pela rainha, ela chorava ao ver o quanto o filho havia emagrecido, seu aspecto de sofrimento, sofria ao imaginar as privações pelas quais ele havia passado. Tentando conter a emoção e o desespero, Zaira pediu desculpas por ter pedido ao Mestre Borin que a espada de Zenon fosse devolvida ao reino, mas que agora estava feliz por não ter sido ouvida pelo comandante da guarda real. Mostrou-se orgulhosa da coragem do filho e sentiu que seu falecido marido estava sendo honrado. Reno compreendeu a mãe e, com um abraço, demonstrou a ela que nada mais importava, pois havia cumprido a missão e, mais importante, finalmente poderia comer da sua comida de novo.

13 – Finalização
            Ao notar a aproximação do rei e da rainha, Reno se ajoelhou em reverência e entregou ao casal a Pedra do Pecado. Era incrível como, mesmo depois de tantas quedas, o objeto permanecia intacto, sem nenhum arranhão, como se fosse o mais puro diamante vermelho do universo. Em seguida, a rainha, com um sinal sutil de cabeça, ordenou que o Conselho dos Sábios a seguisse, pois teria início o ritual de libertação da luxúria e, dali alguns meses, recomeçaria o repovoamento do reino.

          Embora todos quisessem se aproximar de Reno, o agora herói pediu a seu mestre que dispersasse a multidão. Não queria, naquele momento, nenhum tipo de festa, celebração. Desejava apenas voltar para sua casa, com sua mãe, poder finalmente descansar num local confortável e, mais ainda, comer tudo aquilo que conseguisse. No fundo Reno sabia que as forças que reuniu para concluir a missão não eram fruto de heroísmo, muito menos de um desejo de ter de volta a luxúria – na verdade ele nem sabia bem o que queria dizer luxúria, pois fazia parte da geração que havia nascido depois da criação da Pedra do Pecado – mas sim resultado da fome, da vontade de estar de volta à sua casa, à sua mesa, do desejo quase doloroso de comer as comidas que apenas sua mãe sabia preparar. 
                Reno jamais revelaria, mas seu heroísmo na verdade era fome.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Texto 9

          Esse exercício consistia em descrever a evolução de determinada fase da vida de um personagem usando apenas frases curtas. A intenção é fazer com que o leitor perceba essa mudança na fala do personagem, sem qualquer outro recurso de narrativa.


Eu resolvi esperar.

Não gosto de balada.

Quero namorar antes.

Eu não bebo.

Onde é esse clube?

Gosto só de cerveja.

Estou aqui a passeio.

É open bar?

É a minha primeira vez.

Com vodca fica bom.

Estou arrependido.

Quero fazer de novo.

Não uso aplicativo.

Oi, quer teclar?

Não tenho local.

Não pago para fazer isso.

Tenho local.

Não tenho fetiches.

Só fumo careta.

Quanto é o programa?

Couro me dá alergia.

Não curto casais.

Essa aqui é da boa, purinha.

Somos só nós três?

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Texto 8 - Canibais

Nesse o exercício consistia numa situação banal e um diálogo incomum.

(Restaurante refinado, percebe-se pela decoração, pelas roupas dos clientes – apenas adultos, alguns idosos - pelos uniformes dos garçons e pela quantidade de copos e talheres nas mesas, que se trata de um local frequentado por pessoas de alto poder aquisitivo. Ao fundo, quase imperceptível, o som de um violino preenche o ambiente, trazendo ainda mais requinte ao jantar. Assim que Abigail e Aníbal entram no restaurante, atraem todos os olhares. Ela, impecável num vestido vermelho, cabelos presos em coque, uma estola sobre os ombros, e ele igualmente elegante num terno feito sob medida, o cabelo meticulosamente penteado e os dentes impecavelmente brancos. Sentam-se numa mesa no centro do salão, um de frente para o outro. A hostess se oferece para guardar a estola de Abigail enquanto o garçom entrega os cardápios e a carta de vinhos. Aníbal dispensa os papeis com um simples gesto da mão. O garçom se retira, com ar confuso).

ABIGAIL – Você deve mesmo ser muito bem relacionado. Trazer o seu próprio jantar para ser servido aqui. Os pratos daqui são famosíssimos, tem até lista de espera, mas você os despreza para servir os seus.

ANÍBAL – Primeira correção: não são meus, são nossos. Aliás, seus, afinal você os preparou. Segunda correção: não estou desprezando a comida daqui, apenas prefiro a sua, nessa ocasião. É um jantar especial, não acha?

ABIGAIL, sorrindo de forma sedutora: - Especial? É, pode ser. Afinal é o nosso primeiro jantar depois que você me deixou agir sozinha; mais importante ainda, o primeiro jantar que eu preparo para você.

ANÍBAL – Justamente. Por isso não poderia servi-lo na sua ou na minha cozinha.

ABIGAIL – Mas sua cozinha é impecável!

ANÍBAL – Obrigado, mas lá não teríamos o que temos ao redor. Essas pessoas que aqui estão irão para as suas casas depois do jantar sem imaginar o que foi servido para nós. Se soubessem, provavelmente surtariam.

ABIGAIL – Vendo por esse lado, realmente vai ser algo bem especial.
(Um garçom se aproxima e serve vinho para ambos)

ABIGAIL – Esse é de sua adega, presumo.

ANÍBAL – Sim, claro. Meu amigo Frank, o dono do restaurante, ficou mais ofendido por eu ter trazido o vinho do que a comida – sorri – mas como disse, é uma noite especial.

ABIGAIL, levantando a taça – Brindemos, então. Saúde!

ANÍBAL – Saúde!
(Ambos bebem um gole, degustando. Abigail abre os olhos numa expressão de prazer)

ABIGAIL – Meu Deus, Aníbal! Se eu soubesse que iria beber um vinho desse, teria me apressado em preparar esse jantar!

ANÍBAL – De forma alguma, tudo ao seu tempo. Eu espero, inclusive, que a comida faça jus ao meu vinho.

ABIGAIL perde o sorriso e deixa a taça sobre a mesa: - Por favor, você não deve esperar pratos tão saborosos quanto os que você prepara, Aníbal. Eu preciso que seja compreensivo. Foi a minha primeira vez sozinha. Creio que fui uma boa aluna, mas só com a prática se chega à perfeição.

ANÍBAL, deixando a taça sobre a mesa e tocando a mão de Abigail com a ponta dos seus dedos: - A perfeição não existe, por isso nós, os perfeccionistas, nunca a atingimos. Vou levar em consideração que é a sua primeira vez. Mas me conte sobre os ingredientes, antes de pedirmos para que nos sirvam. Quantos foram?

ABIGAIL – Dois. Embora apenas um seja suficiente para a maioria dos pratos que você me sugeriu, eu escolhi como principal logo aquele que usa baço. Aí apenas um não seria suficiente, eu precisava de dois.

ANÍBAL – Entendo. Imagino que tenha guardado o que não usou de forma correta, não?
ABIGAIL – Sim, claro. Eu sabia que muita coisa iria sobrar, especialmente os intestinos. Se eu precisar de uma nota de recuperação, tenho certeza que o acondicionamento dos excessos vai me fazer passar de ano.

ANÍBAL – Não tenha medo, não vou reprová-la, apenas umas aulas de reforço, se julgar necessário – Aníbal pisca para Abigail. Mas me conte mais. Como foi o abate?

ABIGAIL – Sabe o que nivela todas as pessoas? O ego. Basta você se insinuar, demonstrar que está atraída, com tesão, que ninguém resiste. Todo mundo quer se sentir desejado. Não foi diferente com Tomas e Tarsila.

ANÍBAL – Irmãos?

ABIGAIL – Não, apenas coincidência. Tomas foi fácil. Homens. Bastou uma volta no Vila Dionísio e pronto. Menos de duas horas depois lá estava ele me seguindo. Foi tão simples que nem teve tanta graça. Sorte a dele que nem teve tempo de ver a faca se aproximando. Acho que por isso, também, não usei quase nada além do baço. Foi muito fácil para usá-lo no menu de hoje. O freezer ficou quase todo cheio só com Tomas.

ANÍBAL – E você guardou tudo?

ABIGAL – Sim, guardei. Ainda que você não goste do que preparei, eu vou ter que jantar e almoçar outras vezes.

ANÍBAL – Depois falamos sobre isso. Aliás, eu preciso ir até sua casa e ver em que condições você o armazenou. Eu sei que lhe ensinei à exaustão, mas nunca com dois corpos de uma vez. E ao menos que tenha preparado comida para toda a clientela desse restaurante, hoje, você também não usou Tarsila por completa. Usou?

ABIGAIL – Não, não usei. Só que enquanto eu consegui Tomas anteontem, Tarsila eu consegui dois dias antes dele.

ANÍBAL – E você precisou almoçar e jantar de lá para cá...

ABIGAIL – Exato.

ANÍBAL – Gostaria que você tivesse me dito isso antes, que tinha a intenção de usar dois de uma vez só. Você conseguiu Tarsila faz quatro dias. Muito tempo para um baço ficar congelado.

ABIGAIL – Poxa, mas você sempre congela tudo, tem uma câmara fria enorme!

ANÍBAL – Sim, tenho, mas nem todas partes podem ficar congeladas por muito tempo. Quero dizer, podem, não apodrecem, mas isso altera o sabor, a consistência deixa de ser a ideal. Nunca lhe expliquei isso pois realmente não imaginei que pegaria dois de uma só vez. Subestimei você. Mas você disse que conseguiu ambos pelo desejo, pelo tesão. Como foi com Tarsila? Você é bissexual?

ABIGAIL – Claro que não. Eu nunca tive a intenção de foder com ela, Tomas eu confesso que até considerei, mas isso não me impediu de flertar com a moça. Tarsila eu encontrei numa sala de bate papo. É incrível como essas pessoas ainda se escondem nas sombras, coitadas. Enfim, conversamos, trocamos Skype, a convidei para o sítio, ela topou. Doida. Devia estar desesperada para aceitar ir para o meio do mato assim, com uma estranha.

ANÍBAL – Mas você é encantadora. Você mesma disse que basta mostrar interesse nas pessoas que elas sucumbem. Linda assim, qualquer um vai para o meio do mato com você.

ABIGAIL – Obrigada. Sempre um galanteador. Só que ela me deu mais trabalho. Não bebe – ou melhor, não bebia. Esse povo todo natureba, vegano, essas coisas. E isso foi falha minha, pois eu deveria ter perguntado antes. Sem beber ficou difícil eu dominá-la.

ANÍBAL – E como conseguiu?

ABIGAIL – Bom, como você disse que estressar a pessoa antes da morte pode por tudo a perder, por conta das substâncias que o corpo libera nesses momentos de medo e pavor, tive que apelar para o bom e velho atiçador de lareira. É, eu sei, faz sujeira e o cérebro fica comprometido para consumo, dependendo da força que se aplica. Só que eu não aguentava mais aquela baboseira de natureza, animaizinhos, Greenpeace. Uni o útil ao agradável e acabei logo com o meu martírio. Fiz que ia ao banheiro e ela nem viu a pancada.

ANÍBAL – Estou começando a achar que liberei você cedo demais. Falha minha. Eu tinha que ter antevisto essas coisas. Foquei em lhe ensinar como retirar, preparar e preservar os órgãos e me esqueci que antes disso tudo teria que se ocupar dos corpos.

ABIGAIL – Então façamos assim. Hoje você avalia meu talento como colhedora, armazenadora e cozinheira. Depois começamos um novo módulo e você me ensina como ser uma boa caçadora e abatedora. Que tal? – Abigail levanta a taça, propondo um brinde.

ANÍBAL, levanta a taça, respondendo ao brinde: - Combinado, que assim seja. Pedimos para que o garçom nos sirva, então?


ABIGAIL – Por favor! Certamente seu amigo Frank já teve tempo o suficiente para preparar todos os pratos. Só espero que ele tenha seguido minhas instruções corretamente. Vamos comer! Mais do que estar com fome eu estou curiosa para saber a sua opinião.